terça-feira, 20 de junho de 2023

No Limiar do Segundo Século do CNE (VI)

No Limiar do Segundo Século do CNE (VI)"


por: Carlos Alberto Lopes Pereira
artigo publicado a 12 de maio 2023 no jornal diário "Correio do Minho"

Na senda das últimas crónicas, hoje vou recorrer aos Fastos Episcoaes da Igreja Primacial de Braga (Sec. III – Sec. XX), mais especificamente ao TOMO IV, que cobre, de entre outros, o tempo e o governo do Senhor D. Manuel Vieira de Matos, da autoria de Monsenhor José Augusto Ferreira, da Academia das Sciencias de Lisboa, sendo uma edição da Mitra Bracarense, em 1934.
Naturalmente procuramos saber o que registou o autor sobre a fundação do Corpo de Scouts Católicos Portugueses, e, nas citações, respeitando sempre a grafia utilizada pelo autor, na sua época. Assim, na entrada sobre o escutismo católico podemos ler, na página 453: «Escotismo Catholico. – Esta obra eminentemente catholica é uma planta exotica, trazida de Roma pelo Senhor Arcebispo Primaz, que, sendo testemunha presencial da magnífica organização scout, que vira e admirára no Congresso Eucharistico d’aquela cidade, procurou afincadamente introduzi-la em Braga.

Não se pouparam esforços, nem se fugiu a sacrifícios. O Corpo Nacional de Scouts inaugurou-se no 1.º Congresso Eucharistico Nacional realizado nesta cidade, e, semelhante ao grão de mostarda do Evangelho, tem irradiado por todo o paiz.
O Escotismo catholico é hoje uma das mais consoladoras esperanças, por ser uma obra altamente educativa.
A fórmula do mandamento ultimo do seu código é esta: “O escoteiro é puro no pensamento, nas palavres e nas acções”. “O que preocupa os organizadores do Escotismo catholico é subtrahir os rapazes á vida effeminada, á vida enervante, á vida decadente, inútil, afastá-los do sensualismo, e superiorizar a todos os repeitos o seu procedimento”. Trata-se, portanto, d’uma obra excelente, duplamente catholica e patriótica: Crença e Caracter, eis o seu lemma.»

Monsenhor José Augusto Ferreira, neste texto sobre os inícios do Escutismo Católico, em 225 palavras consegue fazer uma preciosa síntese do movimento escutista nascente e do seu potencial de desenvolvimento. Já Carlos António Martins Castro Faustino, em “D. Manuel Vieira de Matos – Vida e Obra”, mostra-nos um prelado inconformado e um verdadeiro lutador pela liberdade dos cristãos e da Igreja, como defende o Professor Lúcio Craveiro da Silva, no prólogo desta obra: «Recordar D. Manuel Vieira de Matos é homenagear uma das figuras mais insignes e emblemáticas da história religiosa de Portugal na primeira metade do século XX. Na “apagada e vil tristeza” com que a Primeira República perseguiu a Igreja com a Lei da Separação de 1911, com prisão e desterro de Prelados, com perseguição e esbulho das Congregações e Ordens religiosas, enfim com a guerra violenta à liberdade da Igreja Católica que se pretendia “dissolver em duas gerações”, a figura majestosa de D. Manuel Vieira de Matos não se cansou de erguer a sua voz nobre e destemida, apesar da prisão e desterro, em prol da liberdade religiosa». Mas esta luta pela justiça e liberdade do Grande Arcebispo ultrapassa fronteiras e, segundo Carlos Faustino (pág.75), «quando sabe da assinatura do Tratado de Latrão (11 de Fevereiro de 1929) – pelo qual a Itália restitui ao Papado a soberania real e efetiva no Estado que lhe tinha usurpado pela força em 20 de Setembro de 1870 – não pode deixar de comemorar, na sua Catedral o acontecimento. (...) Logo a seguir inicia-se a preparação de uma Peregrinação, organizada pelos Prelados as Dioceses do Continente (de 2 de Setembro a 3 de Outubro). No dia 16, D. Manuel Vieira de Matos é recebido, em audiência particular, pelo Santo Padre a quem entrega uma mensagem cujas últimas frases se transcrevem a seguir: “E nós hoje, os peregrinos portugueses, vimos com humildade e confiança, depor aos pés de V. Santidade o que mais vale: os nossos corações cheios de afecto e amor filial, com os nossos, o de todos os fiéis que não puderam acompanhar-nos”.

No dia 19, Pio XI recebe a Peregrinação, proferindo um discurso “comovente e afectuoso”».
A última vez que o Grande Arcebispo participa num ato solene na sua catedral é para acolher D. António Bento Martins Júnior, o novo Bispo Coadjuntor, com direito à sucessão. Foi o acolhimento a um grande “Compagnon de Route”, sentiu que fizera o seu caminho ao Serviço do Senhor e das suas Ovelhas e, vinte dias depois, no dia 28 de Setembro de 1932 entregou a Arquidiocese ao novo Arcebispo e a sua alma ao criador.

«Passadas seis décadas sobre o restabelecimento das relações entre o Estado e a Igreja, um deputado português, acompanhado de uma figura política (ex-Primeiro Ministro e ex-Presidente da República), em visita de cortesia a D. Eurico Dias Nogueira, Arcebispo de Primaz de Braga, reparando numa fotografia de D. Manuel Vieira de Matos, teve o desplante de se lhe referir apelidando-o de “pistoleiro”. A resposta de D. Eurico Dias Nogueira foi pronta e justa: “Um pistoleiro é tudo quanto os corifeus da primeira república pretenderam afirmar sobre a personalidade do grande lutador. A verdade foi escondida... a justiça espezinhada, o homem foi escarnecido... o Bispo injuriado... a Igreja perseguida. O objetivo estava atingido”»1.

Tendo assistido à defesa do Fundador do Escutismo, por parte do Senhor D. Eurico Dias Nogueira, fiquei muito orgulhoso do “meu” Arcebispo e do outrora Lobito do CNE.

1Carlos Faustino, pp 81 e 82. Citando o Diário do Minho, Ano LXXXIV, nº 26300, de 17-04-2003.

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