“O Corpo de Scouts Católicos Portugueses[1] e a Luta pela Sobrevivência"
artigo publicado a 4 de junho 2021 no jornal diário "Correio do Minho"
O Escutismo Católico Português, ao longo
dos seus 98 anos de vida, que celebrou no passado dia 27 de maio, data de
aprovação dos seus estatutos, por alvará do Governador Civil de Braga. Este
alvará, de 1923, fazia do Corpo de Scouts Católicos Portugueses uma
associação distrital. Contudo, a publicação da Portaria número 3:824, de 26 de
novembro de 1923, determinou que esses mesmos estatutos permitissem ao CSCP
estender a sua ação aos restantes distritos.
Após esta publicação no Diário do
Governo, iniciou-se um aceso debate e, no dia 12 de julho de 1923, «o Sr.
Pereira Osório insurge-se em pleno Senado contra o Escutismo apenas nascido.
Fundamenta o seu protesto numa suposta feição militar que teria o C.N.E. e
ainda na sua urdidura católica que o opositor engloba na decifração de “fins um
pouco tenebrosos” (...) Foi o Mgr. Dias de Andrade que, também no
Senado, defendeu a legalidade e o direito à vida do Scouting Católico de então»[2].
Também na comunicação social se replicou
este debate com pessoas a intervir ora a favor ora contra, cabendo aos jornais
ligado à Igreja católica a defesa do Scouting Católico nascente e aos
jornais ligados à Primeira República procurar justificar a sua ilegalização.
É no meio deste debate que foi publicado
o Decreto número 9:729, de 26 de maio de 1924, decreta a aprovação e procede à
publicação dos estatutos do CSCP que já vigoravam por força da Portaria publicada
em 26 de novembro de 1923.
Esta publicação foi a gota de água que
provocou uma reviravolta no seio do Governo tendo sido publicado, a 12 de junho
de 1924, poucos dias depois do CSCP ter celebrado o seu primeiro ano de
aniversário (27 de maio de 1923), o Decreto número 9:791, revertendo toda a
situação.[3]
Como se pode depreender do texto preambular
do referido Decreto, ficou-se a saber que a Associação dos Escoteiros de
Portugal, liderou este processo contestatário: «Considerando que são
legítimas as ponderações apresentadas pela Associação dos Escoteiros de
Portugal, que, sob o ponto de vista legal se baseiam na doutrina expendida
neste decreto [3:120-B, de 10 de maio de 1917, que aprovou o regulamento da
AEP] e sob o ponte de vista moral revestem uma aceitável exposição quando
salientam os graves inconvenientes de carácter scisionista que daí podem advir,
conjugados gravemente com a parcialidade ideológica, que de forma alguma deve
adulterar o fim altruísta a que coletividades desta natureza visam».
Assim o ministro do interior, Alfredo
Ernesto de Sá Cardoso, que também assinara o Decreto número 9:729, lavra aquilo
que ele pensava ser a sentença de morte dos Scouts Católicos, quando escreve
«Hei por bem (...) decretar que se considere sem efeito o decreto
nº.9:729, de 26 de Maio último, bem como a portaria de 23 de Novembro do ano
findo e o alvará a que na mesma se alude.»
A verdade é que, sob o ponto de vista
jurídico, o Corpo de Scouts Católicos Portugueses, caiu, de certa forma,
na clandestinidade porque não deixou de estar presente nem abandonou, à sua
sorte, os jovens Scouts. A normalidade jurídica só seria reposta com a
publicação do Decreto 10:589, de 28 de fevereiro de 1925, isto é, passados oito
meses e poucos dias. A provar que os Scouts Católicos não tinham baixado
os braços, basta recordar que a Comissão Executiva da Junta Central foi eleita,
em Braga, na reunião da Junta Nacional (hoje designado Conselho Nacional), nos
dias 2, 3 e 4 de janeiro de 1925[4].
Estes oito meses foram um tempo de
clandestinidade ativa com uma forte presença nas comunidades paroquiais, bem ancorada
na sociedade. Por todo o lado surgiram associações de caráter local/concelhio
com estatutos próprios e sob as mais diversas designações. Eram os Núcleos dos
“Scouts de Braga”, da “Sociedade Martins Sarmento”, de Vila Real, da “Catedral
do Porto” e tantos outros.
Poder-se ia pensar que a proliferação
destes “Núcleos” era ocasional, mas a verdade é que todos eles tinham em comum
uma matriz estatutária subjacente, todos ligados aos grupos do CSCP e
floresciam com a “bênção de católicos destemidos”.
Por outro lado, percebe-se a intenção do
ditado popular “dividir para reinar”, pois esta disseminação pelas paróquias
permitia-lhes fugir ao controlo republicano instalado em Lisboa, onde as “tropas”
de inspiração católica se preparavam para suportar uma nova investida feita a
partir do Norte. Com a publicação do citado Decreto 10:589, de 28 de fevereiro
de 1925, entrou-se numa era de acalmia que só seria abalada, alguns anos mais, por
causa da mocidade portuguesa.
[1] Esta associação teve ao longo da sua vida três designações: a primeira, Corpo de Scouts Católicos Portugueses, de 27 de maio de 1923, a segunda, Corpo Nacional de Scouts, de 28 de fevereiro de 1925 e a terceira, Corpo Nacional de Escutas, de 1934.
[2] Salgado, Benjamim, in
Radiosa Floração, Junta Central do CNE, Braga, 1948, p.14.
[3] Nota do autor: A
Associação dos Adueiros de Portugal, criada pelo Decreto 6:277, de 13 de
dezembro de 1919, passou à margem desta polémica.
[4] Salgado, Benjamim, in
Radiosa Floração, Junta Central do CNE, Braga, 1948, p.17 a 19.
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