sábado, 19 de dezembro de 2020

Natal, simplesmente!

Natal, simplesmente!

por: Carlos Alberto Lopes Pereira
artigo publicado a 18 de dezembro 2020 no jornal diário "Correio do Minho"



Em meados de novembro passado, na leitura matinal, sempre apressadas, dos jornais do dia, tropecei, literalmente, num poema cujo título, forte e interpelante, obrigou o meu olhar a regressar ao outro lado da página e a inverter o movimento do mudar de página já iniciado.
O desassossego provocado pelo título “Não haverá Natal?” rapidamente foi evoluindo para a severidade com a resposta do verso imediato “Claro que sim!”. Fiquei encantado com o texto, onde o Pe. Javier Leoz, pároco de São Lourenço, em Pamplona, faz a sua reflexão sobre o Natal de 2020, em forma de poema, sendo a tradução livre do espanhol de frei Acílio Mendes, que decidi transcrever, nesta crónica, a última a publicar antes do Natal:
NÃO HAVERÁ NATAL?
Claro que sim!
Mais silencioso e com mais profundidade,
Mais parecido com o primeiro em que Jesus nasceu em solidão.
Sem muitas luzes na terra,
mas com a da estrela de Belém
fulgurando trilhas de vida em sua imensidão.
Sem cortejos reais colossais,
mas com a humildade de sentir-nos
pastores e servos buscando a Verdade.
Sem grandes mesas e com amargas ausências,
mas com a presença de um Deus que tudo plenificará.
Não haverá natal?
Claro que sim!
Sem as ruas a transbordar,
mas com o coração aquecido
pelo que está por chegar.
Sem barulhos nem ruídos,
propagandas ou foguetes...
mas vivendo o Mistério sem medo
do "covid-herodes" que pretende
tirar-nos até o sonho da esperança.
Haverá Natal porque Deus está ao nosso lado
e partilha, como Cristo no presépio,
nossa pobreza, prova, pranto, angustia e orfandade.
Haverá Natal porque necessitamos
de uma luz divina no meio de tanta escuridão.
A Covid19 nunca poderá chegar ao coração nem à alma
dos que no céu põe sua esperança e seu maior ideal.
Haverá Natal!
Cantaremos nossos cantos natalinos!
Deus nascerá e nos trará a liberdade!


Claro que esta reflexão é marcada pelas mensagens dos textos bíblicos, mas também pelas vivências típicas da tradição social. O que é perfeitamente natural uma vez que a nossa tradição natalícia, celebrando o nascimento do Deus Menino incorporou nesta celebração melhor, nestas celebrações, as tradições das populações que progressivamente se foram cristianizando.


Esta reflexão procura lembrar-nos as origens do Natal: a família que, por causa do recenseamento decretado pelo imperador, se desloca a Belém, para cumprir o seu dever cívico, tendo Maria dado à luz, em condições muito precárias, naquela localidade. Há uma ideia fundamental em todo o texto: a Esperança, uma das virtudes teologais, que o autor explora para fazer de contraponto às consequências da pandemia.


O autor procura transmitir-nos a mensagem que a existência do Natal não depende das condicionantes, por mais terríveis que sejam, impostas pelo “covid-herodes”, mas que o Natal só depende de nós, Javier Loez defende a mesma ideia que Ary dos Santos já imortalizara antes: “Natal é em Dezembro / Mas em Maio pode ser / Natal é em Setembro / É quando um homem quiser” ou Vitorino Nemésio em “Natal chique” onde retoma este mesmo enquadramento “Percorro o dia, que esmorece / Nas ruas cheias de rumor; / Minha alma vã desaparece / Na muita pressa e pouco amor.”


O pároco de São Lourenço vai um pouco mais longe ao estabelecer uma ligação tão íntima entre o humano e o divino na celebração deste Natal que, também podemos encontrar no poema de Santa Teresa d’Ávila: “Nada te perturbe / nada te espante, / tudo passa, / só Deus não muda. / A paciência tudo alcança. / Quem a Deus tem, / nada lhe falta. / Só Deus basta.” ou no poema do Cardeal José Tolentino Mendonça “Para haver Natal” onde podemos encontrar um desafio que nos remete para as origens: “Para haver Natal este natal / talvez seja preciso reaprendermos / coisas tão simples!”.


Que bom seria se em todos os agrupamentos do Corpo Nacional de Escutas e nas comunidades onde estão inseridos este fosse o Natal de 2020.


Aos leitores e aos profissionais do Correio do Minho, votos de Santo e Feliz Natal.


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