sexta-feira, 12 de março de 2021

“Errare humanum est, perseverare autem diabolicum”

“Errare humanum est, perseverare autem diabolicum”

(“Errar é humano, mas perseverar no erro é diabólico”)[1]

por: Carlos Alberto Lopes Pereira
artigo publicado hoje 12 de março 2021 no jornal diário "Correio do Minho"


O título deste artigo seria, só por si, motivo para uma reflexão mais profunda quanto à sua origem e autoria, mas aqui quero utilizar esta expressão, cujo autor se desconhece; que alguns consideram como um ditado popular, mas a verdade é que ela foi usada, com algumas variantes textuais mantendo, na essência, o significado, por São Jerónimo - Epist. 57,11 - (347-420), Santo Agostinho (354-430), Venerável Beda (673-735) e São Bernardo (1090-1153).

O importante é que este título permite-me perspetivar o desafio que me foi lançado sobre a “pedagogia do erro no escutismo”, tendo contraponto o pensamento de Theodore Roosevelt «o único homem que nunca comete erros é aquele que nunca faz coisa alguma. Não tenha medo de errar, pois aprenderá a não cometer o mesmo erro duas vezes», o 26º presidente dos EUA (1901-1909), que Baden-Powell refere no “Escutismo para Rapazes”, página 70, edição de 2007, como sendo um homem que «também tinha fé na vida ao ar livre (...) Quando jogardes, jogai forte; e quando trabalhardes, trabalhai bem. Mas não permitais que os jogos e desportos vos prejudiquem os estudos».

O método escutista permite que o jovem seja o protagonista da sua educação, desde logo pela autonomia e liberdade que goza com o sistema de patrulhas e as dinâmicas dos diversos conselhos, onde cada um deles assume as suas responsabilidades na conceção, negociação, preparação, realização e avaliação de projetos e programas, mas também o enquadramento nos valores da promessa e Lei, mística e simbologia e missão e princípios do escutismo. Pela teia de relações que estabelece consigo próprio (progresso pessoal), com os outros membros da patrulha, da unidade e do agrupamento, com os dirigentes e animadores, com as comunidades onde se integra, com a natureza que o acolhe e com Deus - o Amigo entre os amigos -; finalmente, pela forma como aprende e como ajuda os outros a aprender.

Neste contexto de autoeducação, o erro é uma possibilidade permanente, mas não podemos prolongar a conceção, enriquecimento e preparação da atividade de forma indefinida, pois quando chegasse o momento da realização o tempo adequado poderia já ter passado. Assim, a fase de enriquecimento, que é uma linha de tempo e não um ponto no tempo, é vital para a redução do risco.

Há muitos anos, em 1649, João Amós Coménio publicou a sua “Didática Magna”, também conhecido pelo subtítulo “Tratado da Arte Universal de Ensinar Tudo a Todos” define que: «Aprende-se a fazer fazendo. Os mecânicos não detêm os aprendizes nas suas artes de especulações teóricas, mas põem-nos imediatamente a trabalhar, para que aprendam a fabricar fabricando, a esculpir esculpindo, a pintar pintando, a dançar dançando, etc…» (p.320), nós poderíamos acrescentar aqui as nossas mais diversas competências e atitudes escutistas ou todo o aprender fazendo do método. Claro que Coménio, evocando Séneca (4 aC-65 dC – Epist. VI, 5), lembra-nos as palavras do filósofo sobre este tema «é longo e difícil o caminho por meio de regras, mas breve e eficaz por meio de exemplos» (p.320). Ambos parecem ter lido B.-P., vários séculos antes da publicação do “Escutismo para Rapazes”!

Todos sabemos que as crianças quando aprendem a andar caem uma boa centena de vezes e isso é natural, mesmo assim, os pais protegem as esquinas do mobiliário e outros elementos semelhantes e nunca põem os filhos sobre um muro para aprender a andar. É esta gestão do erro e do risco que devemos dominar.

Nos seus percursos de aprendizagem o escuteiro tem que experimentar o erro para depois, integrando a aprendizagem realizada, corrigir e melhorar a sua performance. O erro é um elemento importante no processo de melhoria. Esperemos que nenhum escuteiro tenha de reproduzir a justificação que Thomas Edison, em 1910, deu a um jornalista: «eu não falhei 10 mil vezes. Apenas descobri 10 mil maneiras que não funcionam



[1] Este tema também foi abordado em artigo semelhante na revista “Flor de Lis”, no mês de fevereiro de 2021.

 


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