O Livro da Selva e a Mensagem do Papa
Nesta quadra onde temos alguns momentos para fazermos
“coisas” que por vezes nos preenchem tempos, que na azafama do dia a dia do
trabalho não encontramos. Vem isto a propósito de dois pequenos textos que li
com mais atenção.
Um deles um livro que queria comprar para uma criança que
está para nascer e que é uma versão para bebés do Livro da Selva, de Rudyard Kipling, que li na própria livraria para
verificar se a essência da narrativa, no que é essencial se mantinha, nesta
versão reduzida. É a história de um menino que, sozinho na selva, pois seu pai
fora morto por um tigre, é recolhido por uma loba com uma pequena ninhada de
quatro lobitos que, enternecida pelo infortúnio do “filhote de homem” o acolhe
como membro da sua família, o protege das agruras e dos perigos da vida,
promove a sua educação igual à dos outros lobinhos, tendo consciência das
“particularidades” do “filhote de homem” e, quando chegado o momento de
apresentação à alcateia (a sociedade dos lobos), o leva perante o conselho e
defende a sua integração como membro da alcateia.
No Escutismo, este é um exercício que todos os chefes de
lobitos fazem nas suas Unidades, sempre que um novo membro pretende entrar para
a Alcateia (nome dado à I Secção, onde são acolhidas crianças entre os 6 e os
10 de idade) e para a qual, o Livro da Selva, de R. Kipling funciona como um
ambiente educativo.
Um outro texto que li e
reli, para melhor apreender o seu conteúdo, foi a Mensagem do Papa Francisco
para o Dia Mundial da Paz, pois quando a ouvi na Celebração, algo
inconscientemente me levou à sua leitura. Foi então que descobri linhas de
leitura semelhantes entre os dois textos, sobretudo no ponto 4 de Mensagem
papal que aqui transcrevo:
“Quatro
pedras miliárias para a ação
Oferecer
a requerentes de asilo, refugiados, migrantes e vítimas de tráfico humano uma
possibilidade de encontrar aquela paz que andam à procura, exige uma estratégia
que combine quatro ações: acolher, proteger, promover e integrar.
«Acolher»
faz apelo à exigência de ampliar as possibilidades de entrada legal, de não
repelir refugiados e migrantes para lugares onde os aguardam perseguições e
violências, e de equilibrar a preocupação pela segurança nacional com a tutela
dos direitos humanos fundamentais. Recorda-nos a Sagrada Escritura: «Não vos
esqueçais da hospitalidade, pois, graças a ela, alguns, sem o saberem, hospedaram
anjos».
«Proteger» lembra o dever de
reconhecer e tutelar a dignidade inviolável daqueles que fogem dum perigo real em busca de asilo e
segurança, de impedir a sua exploração. Penso de modo particular nas mulheres e nas crianças que se encontram em
situações onde estão mais expostas aos
riscos e aos abusos que chegam até ao ponto de as tornar escravas. Deus não
discrimina: «O Senhor protege os que
vivem em terra estranha e ampara o órfão e a viúva».
«Promover» alude ao apoio para o
desenvolvimento humano integral de migrantes e refugiados. Dentre os numerosos instrumentos que podem ajudar nesta tarefa,
desejo sublinhar a importância de
assegurar às crianças e aos jovens o acesso a todos os níveis de instrução:
deste modo poderão não só cultivar e
fazer frutificar as suas capacidades, mas estarão em melhores condições também para ir ao encontro
dos outros, cultivando um espírito de diálogo e não de fechamento ou de conflito. A Bíblia ensina que Deus «ama o
estrangeiro e dá-lhe pão e vestuário»;
daí a exortação: «Amarás o estrangeiro, porque foste estrangeiro na terra do Egito».
Por fim, «integrar» significa permitir
que refugiados e migrantes participem plenamente na vida da sociedade que os acolhe, numa dinâmica de mútuo enriquecimento e
fecunda colaboração na promoção do
desenvolvimento humano integral das comunidades locais. «Portanto – como escreve São Paulo – já não sois
estrangeiros nem imigrantes, mas sois concidadãos dos santos e membros da casa de Deus».”
Só
depois destes “cruzar de mensagens” é que, finalmente apreendi onde estava a
verdadeira força educativa do Livro da Selva, que, num ambiente lúdico, marca
indelevelmente, mas com naturalidade a personalidade das crianças que vivem as
histórias de Máugli, nome do “filhote de homem”. Crónica publicada a 05/01/2018 no jornal diário "Correio do Minho"