sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

O Livro da Selva e a Mensagem do Papa

O Livro da Selva e a Mensagem do Papa

Nesta quadra onde temos alguns momentos para fazermos “coisas” que por vezes nos preenchem tempos, que na azafama do dia a dia do trabalho não encontramos. Vem isto a propósito de dois pequenos textos que li com mais atenção.
Um deles um livro que queria comprar para uma criança que está para nascer e que é uma versão para bebés do Livro da Selva, de Rudyard Kipling, que li na própria livraria para verificar se a essência da narrativa, no que é essencial se mantinha, nesta versão reduzida. É a história de um menino que, sozinho na selva, pois seu pai fora morto por um tigre, é recolhido por uma loba com uma pequena ninhada de quatro lobitos que, enternecida pelo infortúnio do “filhote de homem” o acolhe como membro da sua família, o protege das agruras e dos perigos da vida, promove a sua educação igual à dos outros lobinhos, tendo consciência das “particularidades” do “filhote de homem” e, quando chegado o momento de apresentação à alcateia (a sociedade dos lobos), o leva perante o conselho e defende a sua integração como membro da alcateia.
No Escutismo, este é um exercício que todos os chefes de lobitos fazem nas suas Unidades, sempre que um novo membro pretende entrar para a Alcateia (nome dado à I Secção, onde são acolhidas crianças entre os 6 e os 10 de idade) e para a qual, o Livro da Selva, de R. Kipling funciona como um ambiente educativo.
Um outro texto que li e reli, para melhor apreender o seu conteúdo, foi a Mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial da Paz, pois quando a ouvi na Celebração, algo inconscientemente me levou à sua leitura. Foi então que descobri linhas de leitura semelhantes entre os dois textos, sobretudo no ponto 4 de Mensagem papal que aqui transcrevo:
“Quatro pedras miliárias para a ação
Oferecer a requerentes de asilo, refugiados, migrantes e vítimas de tráfico humano uma possibilidade de encontrar aquela paz que andam à procura, exige uma estratégia que combine quatro ações: acolher, proteger, promover e integrar.
«Acolher» faz apelo à exigência de ampliar as possibilidades de entrada legal, de não repelir refugiados e migrantes para lugares onde os aguardam perseguições e violências, e de equilibrar a preocupação pela segurança nacional com a tutela dos direitos humanos fundamentais. Recorda-nos a Sagrada Escritura: «Não vos esqueçais da hospitalidade, pois, graças a ela, alguns, sem o saberem, hospedaram anjos».
«Proteger» lembra o dever de reconhecer e tutelar a dignidade inviolável daqueles que fogem dum perigo real em busca de asilo e segurança, de impedir a sua exploração. Penso de modo particular nas mulheres e nas crianças que se encontram em situações onde estão mais expostas aos riscos e aos abusos que chegam até ao ponto de as tornar escravas. Deus não discrimina: «O Senhor protege os que vivem em terra estranha e ampara o órfão e a viúva».
«Promover» alude ao apoio para o desenvolvimento humano integral de migrantes e refugiados. Dentre os numerosos instrumentos que podem ajudar nesta tarefa, desejo sublinhar a importância de assegurar às crianças e aos jovens o acesso a todos os níveis de instrução: deste modo poderão não só cultivar e fazer frutificar as suas capacidades, mas estarão em melhores condições também para ir ao encontro dos outros, cultivando um espírito de diálogo e não de fechamento ou de conflito. A Bíblia ensina que Deus «ama o estrangeiro e dá-lhe pão e vestuário»; daí a exortação: «Amarás o estrangeiro, porque foste estrangeiro na terra do Egito».
Por fim, «integrar» significa permitir que refugiados e migrantes participem plenamente na vida da sociedade que os acolhe, numa dinâmica de mútuo enriquecimento e fecunda colaboração na promoção do desenvolvimento humano integral das comunidades locais. «Portanto – como escreve São Paulo – já não sois estrangeiros nem imigrantes, mas sois concidadãos dos santos e membros da casa de Deus».”
Só depois destes “cruzar de mensagens” é que, finalmente apreendi onde estava a verdadeira força educativa do Livro da Selva, que, num ambiente lúdico, marca indelevelmente, mas com naturalidade a personalidade das crianças que vivem as histórias de Máugli, nome do “filhote de homem”. 

Crónica publicada a 05/01/2018 no jornal diário "Correio do Minho"